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Foto/Divulgação: Guto César

Tragicomédia ambientada no subúrbio carioca, mergulha em segredos de família e na corrosão moralista com linguagem inspirada no Cinema Latino 

 


A premiada diretora Marcela Rodrigues assina a direção de “TRAÇAS”, o 6º espetáculo da Troupp Pas D’argent, que estreia dia 20 de novembro, no Mezanino do Sesc Copacabana. Há 19 anos em atividade no cenário teatral brasileiro, a companhia carioca desenvolve uma pesquisa cênica e corporal que aborda importantes questões sociais, e, desta vez, volta o olhar para as raízes e a realidade do subúrbio do Rio de Janeiro em uma eletrizante tragicomédia que explora segredos, crimes e a fragilidade das relações familiares.

Com inspiração no cinema latino-americano, a peça constrói um thriller de humor ácido e ritmo pulsante. “TRAÇAS” apresenta uma multinarrativa dinâmica onde a cena se desdobra em primeiro, segundo e terceiro plano simultaneamente, exigindo um trabalho visceral e latente do elenco de 8 atores, que em cena, dão vida a personagens que se despem de conceitos morais desafiando as noções de “família tradicional”, tão enraizadas no discurso moralista e conservador da sociedade brasileira, especialmente nos discursos extremistas e de setores religiosos fundamentalistas. As  críticas permeadas com trabalho cênico forte contrastam com a sutileza do humor ácido e ironia presentes no texto Daniella Rougemont.

Segredos que corroem:  A metáfora da Traça em cena

A trama central gira em torno da Família Machado, recém-chegada a Inhaúma, que tem um jantar de comemoração interrompido pela visita inesperada da Família Soares. O que era para ser uma noite comum se transforma em pesadelo quando os visitantes descobrem um segredo devastador guardado pelos anfitriões.

A peça usa a imagem da traça como uma poderosa metáfora: “Assim como as traças destroem silenciosamente por onde se infiltram, segredos escondidos podem gradualmente corroer o tecido familiar, levando a consequências devastadoras”, explica a diretora, que complementa:

“É interessante pensar como a traça, um inseto tão pequeno e silencioso, é capaz de corroer roupas, livros, se infiltrar em paredes e até mesmo dilacerar o concreto, mesmo aparentando ser tão frágil. No texto de Daniella Rougemont, essa corrosão é tratada de forma metafórica. Há duas famílias em cena, os Machados, que inicialmente, agem como um clã, uma colônia viva que pulsam uníssona, e os Soares, cuja presença desencadeia uma série de brigas e traições, expondo segredos, vaidades e mentiras que destroem a estrutura moral e emocional da família Machado”.

Essa corrosão moral e social é traduzida visualmente, nos figurinos de Tiago Ribeiro, inspirados no tropicalismo do final dos anos 70 e na moda do início dos anos 80, de longe podem parecer íntegros, mas analisados cada vez mais de perto, revelam as imperfeições com rasgos e buracos das traças.

Na movimentação, a direção propõe uma partitura física de desintegração baseada na Dança-Teatro, Contato-Improvisação e no bolero brasileiro. O bolero, com seu lirismo e paixão brega, ironiza a tragédia: “O que antes era simetria vira ruído. Essa degradação corporal é o espelho do desgaste interno dos personagens, o movimento se torna o buraco pelo qual o público enxerga o que eles tentam esconder”, detalha Marcela Rodrigues.

Um espelho do Brasil sem memória

“TRAÇAS” vai além do drama familiar ao abordar temas urgentes como sequestro, desaparecimento e inversão de valores. 

A peça faz uma crítica incisiva à banalização da violência e à moralidade seletiva. “Não vamos apresentar mocinhos e vilões. Quero que o público saia da peça com uma sensação ambígua, rindo, mas se perguntando ‘eu posso rir disso?’ e questionando de qual lado ela vive a própria vida”. Nenhum personagem em Traças é inteiramente bom ou mau, todos estão tentando sobreviver. Essa ambiguidade é exaustiva e fascinante”, afirma a diretora.

O elenco, composto por artistas LGBTQIAPN+, pretos e pardos, reflete a diversidade e inclusão, reforçando a relevância do Edital Sesc Pulsar para a consolidação de uma cena teatral democrática. 

Com “TRAÇAS”, a Troupp Pas D’argent reafirma seu compromisso de 19 anos com o teatro de linguagem impactante e  socialmente engajado, usando o humor como ferramenta poderosa para a crítica, nos assuntos abordados em suas montagens.

Entrevista com a diretora Marcela Rodrigues

O espetáculo traz uma forte inspiração na visceralidade e nos conflitos com plost twists inesperados, muito presentes na assinatura de trabalhos dos diretores Oriol Paulo e Damián Szifron. Pode detalhar um pouco do processo de direção e construção do espetáculo, e sobre essa incorporação à multinarrativa dinâmica e realista dos atores em cena?

Marcela – A estrutura de Traças é construída como um thriller tragicômico, há uma tensão constante entre o riso e o horror. Me interesso muito pelo que é real e ao mesmo tempo delirante. Pesquisar os limites entre o humor e a tragédia visceral foi a força motriz deste espetáculo. Por isso, caminhamos na corda bamba entre o risível e o trágico, extraindo humor do comportamento humano em colapso. A encenação com o cenário se apoia em mudanças de ritmo com inspirações cinematográficas, cortes secos, pausas longas, sobreposições de planos, transições que dissolvem e se reconstroem.

A peça tem o objetivo de provocar discussões sobre ética e moralidade, incentivando o público a refletir criticamente sobre suas convicções. Na sua visão, qual a principal reflexão que o público pode levar para casa após deparar-se com os mocinhos e vilões ou nem tão mocinhos e vilões assim, como qualquer ser humano?

Marcela – Não vamos apresentar personagens bonzinhos e malvados, o que me interessa é fazer o público questionar suas próprias contradições, desmascarar as justificativas, abrir perguntas e fazer cada um se perguntar porque está torcendo para o “anti-herói”. Traças fala sobre o que cada um de nós é capaz de fazer para manter as aparências, proteger o próprio conforto ou esconder o que nos envergonha. É importante refletir sobre como nós banalizamos a violência a ponto de nos acostumarmos com o horror.

O espetáculo mergulha nos segredos sombrios e na corrosão da moralidade familiar, alternando os personagens entre vítimas e vilões. Qual a maior dificuldade ou desafio, para o elenco, em lidar com a dualidade de seus personagens e com as verdades e alfinetadas do texto e se houve algum momento em que o texto tocou em zonas de desconforto pessoal, que fez reavaliar seus próprios conceitos éticos?

Marcela – O desconforto é parte fundamental do processo. Durante os ensaios, percebemos que a peça não falava apenas sobre a hipocrisia do outro, ela também expunha as nossas próprias falhas. Há cenas em que o corpo precisa assumir gestos violentos ou contraditórios, e isso mexe com o limite pessoal de cada um do elenco. 

Houve momentos em que o elenco saiu abalado dos ensaios, questionando o quanto a peça espelha o Brasil de hoje, a moral seletiva, a violência invisível, a vergonha de ser visto como se é. Mas é justamente aí que o teatro acontece, quando a cena incomoda, quando o riso entala, e quando o público se reconhece no que preferia esquecer.

A personagem Regina, vivida por Tenca Silva, ganha uma dimensão metalinguística essencial para o discurso do espetáculo. A atriz Tenca criou a personagem Regina consciente de sua própria encenação. Com ironia e teatralidade, Tenca assume o controle da narrativa, rompe a quarta parede e questiona o destino da sua personagem.

O público é convidado a participar da cena, como quem diz “você faz parte de tudo isso”. Assim, a peça se reescreve de dentro, tornando-se um manifesto sobre sobrevivência e reinvenção da família e do corpo.

Sobre a diretora

Marcela Rodrigues é diretora de teatro, diretora de cinema e roteirista. Desde 2001, se dedica à pesquisa de novas linguagens, investigando a teatralidade no cinema e o audiovisual dentro da cena teatral. Sua experimentação se aprofunda na encenação criativa e na construção de obras multidisciplinares. A atuação e o corpo dos atores ocupam o centro de sua pesquisa artística, sendo um dos principais pilares do seu processo criativo. Marcela se debruça em narrativas originais, estéticas visuais marcantes e personagens complexos, retratados sob pontos de vista singulares, figuras ao mesmo tempo periféricas e universais. Contando histórias, atravessadas por questões sociais latentes, ao longo dos anos, vem consolidando uma assinatura criativa própria, marcada pela atenção minuciosa à mise-en-scène, à dramaturgia e à linguagem. 

Em 2006, fundou a Troupp Pas D’Argent, companhia de teatro focada na pesquisa da linguagem cênica e no processo corporal. Na Troupp, dirigiu, escreveu e criou a cenografia dos espetáculos “Cidade das Donzelas” (2008), indicado ao Prêmio Shell e vencedor do Prêmio Europeu Compasso Di Argento na Itália, “Holoclownsto” (2011) escrito juntamente com Natalíe Rodrigues, vencedor do Prêmio LUKAS UK Awards de melhor produção teatral do ano em Londres, “Morro da Ópera” (2014), “Lavagem” (2016) e “Kondima – Sobre Travessias” (2018) indicado ao Prêmio Shell. Em 2018, dirigiu o espetáculo “Ininterrupto” da Limiar Cia de Teatro. Em 2023, dirigiu o espetáculo da Cia. de 2, “Moby Dick e os Caçadores de Baleias”, em turnê pelo Brasil. Marcela Rodrigues também é fundadora da Rosazul Filmes, produtora de cinema independente, onde já dirigiu trabalhos na Alemanha, França, Marrocos, Moçambique, Holanda, Cabo Verde, Inglaterra, Chile, Tailândia, Itália, Angola, Venezuela, Portugal e Brasil. Dentre os seus filmes mais relevantes, destacam-se: “Mulheres Bambas” documentário que celebra a presença das mulheres no gênero musical mais representativo do Brasil: O Samba. Projeto selecionado para o 9º Encontro de Coprodução do Mercosul – Ibero-América onde levou os prêmios DIALAB, BOLÍVIALAB e DESCOLONIZA); Dirigiu “Amores Flácidos” (2021) peça-metragem de ficção que mistura cinema e teatro, e aborda temáticas como gordofobia e violência contra mulheres que fez a sua estreia mundial na Alemanha (Seleção Oficial do MIRA – Festival de Cinema Latinoamericano Independiente). Esse projeto ganhou melhor cenário no 2ª Prêmio WeDo!, foi contemplado pela Lei Aldir Blanc e entrou para a Seleção Oficial do Rio WEBFEST 2025); A artista também dirige comerciais e companhas publicitárias para grande marcas.

Na televisão, foi convidada pela TV Globo para ministrar a oficina de preparação de atores. Em 2025, está desenvolvendo o roteiro de um longa-metragem de ficção e de uma série de ficção que irá dirigir em 2026.

Sobre a TROUPP PAS D’ARGENT

A Troupp nasceu em 2006, e desde então vem trabalhando em uma fundamentada e detalhada pesquisa cênica: corporal, teórica, imagética e musical. A Cia. desenvolve um processo contínuo de investigações em torno da linguagem corporal e pesquisa de movimento. O grupo destaca-se pela forte característica autoral, assinando a criação de grande parte das funções artísticas: Texto, Direção, Produção, Cenografia e Figurino. A Troupp já recebeu importantes estímulos a sua atividade de investigação cênica, como a indicação ao Prêmio Shell 2008, pela Pesquisa de Movimento do espetáculo “Cidade das Donzelas”, o recebimento do Prêmio Europeu Compasso di Argento 2010, pela mesma peça, na Itália; o recebimento do Prêmio Lukas Awards de melhor produção teatral latino-americana em Londres, no ano de 2012, pelo espetáculo “Holoclownsto” e uma indicação o Prêmio Shell 2020, para o espetáculo “KONDIMA – SObre Travessias”. O principal foco de pesquisa da companhia é o corpo, ressaltando a importância do treinamento físico continuado, exigindo dos atores uma disponibilidade permanente para pesquisa e formação. Seus integrantes  trazem diferentes formações: teatro, circo, cinema, literatura e artes plásticas. A companhia tem em seu repertório os espetáculos: Cidade das donzelas (2008), Holoclownsto (2011), Morro da Ópera (2014), Lavagem (2016), Kondima – Sobre Travessias (2018) e Traças (2025).


SERVIÇO

Espetáculo: TRAÇAS Gênero: Tragicômédia / Thriller de Humor Ácido

Local: Sesc Copacabana – Mezanino

Temporada: 20/11/2025 a 14/12/2025

Horários: 20:30 – de quinta a domingo

Ingressos: 30,00 (inteira) e 15,00 (meia)

Classificação Indicativa: 16 anos

Companhia: Troupp Pas D’argent 

Idealização e Direção: Marcela Rodrigues 

Dramaturgia: Daniella Rougemont 

Elenco: Beatriz Freitas, Carolina Garcês, Isabela Catão, Jorge Florêncio, Natalíe Rodrigues, Perla Carvalho, Raffaele Casuccio e Tenca Silva.

Iluminação: Luiz Paulo Nenen

Figurino: Tiago Ribeiro

Trilha Sonora: Federico Puppi

Cenografia: Marcela Rodrigues

Direção de Produção: Natalíe Rodrigues, Beatriz Freitas e Jorge Florêncio

Produção: Florêncio’s Produções

Produção Executiva: Patrícia Oliveira

Cenotécnica: Utopia Produções Artísticas e Culturais

Arte Gráfica, fotos e vídeos: Guto César

Assessoria de Imprensa: Alessandra Costa

Apoio e Realização Edital de Cultura Sesc RJ Pulsar e Troupp Pas D’argent

Fonte:  Alessandra costa

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