Aquele som crocante, ou seja, o ruído seco que se ouve ao trincar e moer os alimentos com os dentes é, sem dúvida, um dos atrativos de quem come não por necessidade fisiológica, mas emocional.
Estudiosos afirmam que comemos não apenas para repor energia e nutrientes ou por razões físicas. Segundo a pediatra e monja Dra. Jan Chozen Bays, que trabalha com mindful eating (alimentação/comer consciente), há décadas, a alimentação tem múltiplos e profundos significados na vida.
Repare que a palavra restaurante se assemelha a reconfortante. Sim! A comida pode trazer sentimentos de conforto, acolhimento, saciedade, tristeza e até plenitude. Mas, ao comer, não se sacia apenas o estômago, ou se preenche o sangue com substâncias essenciais à manutenção da vida. O que se percebe é: come-se por fome dos olhos, do nariz, da boca, das mãos, do ouvido, do estômago, das células, da mente e do coração. Isso mesmo! Todos esses “sentidos” podem movê-lo a comer e é justamente o conhecimento da origem dessa fome que pode ajudar a aceitá-la, cuidá-la, mudá-la ou aperfeiçoá-la.
Uma das sugestões da médica Paula Pires, endocrinologista pela USP é praticar o mindfulness, ou seja, manter a atenção plena na hora de se alimentar e de reconhecer o que move alguém a abrir a geladeira ou a escolher este ou aquele restaurante ou alimento, na hora de preencher o prato ou beber.
Vamos aos 9 tipos de fome e às explicações da endocrinologista formada pela USP:
1. Fome dos olhos
Nós somos muito estimulados pela visão; uma refeição apresentada com beleza será muito mais atraente que uma refeição ofertada sem capricho, mesmo que os ingredientes sejam os mesmos. Se, durante a refeição, estamos em outra atividade, assistindo TV, no computador ou celular, deixamos de apreciar o alimento, não “enchemos os olhos” e a satisfação desta fome ficará incompleta.
2. Fome do olfato (do nariz)
Sentir o aroma dos alimentos é essencial para o nosso gosto. Na maioria das vezes, pensamos que é o gosto que nos atrai, quando, na verdade, é o “cheiro” da comida. Lembre-se das vezes em que teve uma gripe, por exemplo: o que aconteceu com o sabor dos alimentos? A indústria alimentícia utiliza muito deste conhecimento e, ao colocar diferentes aromatizantes, você às vezes come alguns alimentos apenas pelo aroma que realmente nos encanta, mas que não corresponde muitas vezes ao sabor que você encontra ao comê-los. Para satisfazer a sua fome do olfato, experimente sentir o aroma dos alimentos antes de começar a comer.
3. Fome da boca
O que classificamos como comida saborosa, atraente, é, muitas vezes, resultado de um condicionamento social, às vezes, influenciado por nossa criação. O que é considerado uma iguaria em um país pode ser abominada em outro. Azedo, doce, salgado, picante, temperos, texturas em nossa boca, que sensações nos trazem? O líquido, o sólido? Sentimos a necessidade de mastigar (“boca nervosa”)? Tudo isso reflete uma necessidade relacionada ao que determinado alimento representa ao ser consumido, mastigado. Estar mais consciente, cultivando a curiosidade e abertura em torno de diferentes sabores e texturas em nossas bocas, pode ajudar a satisfazer nossa fome da boca.
4. Fome do tato
Muitas vezes, nossa necessidade está em sentir, com nossas mãos, o alimento, sua temperatura e textura e isso pode influenciar o quanto ficamos satisfeitos e a quantidade que conseguimos consumir. Por exemplo: qual a diferença entre comer pizza com garfo e faca ou segurando com as mãos? Ou mesmo um frango à passarinho? Você já se deu conta disto? Cada um terá uma resposta diferente sobre essa experiência de usar as mãos para colocar o alimento diretamente na boca, sem talheres.
5. Fome do ouvido
Ao mordermos e mastigarmos um alimento crocante, ouve-se o barulho da mastigação. Aí pode estar o segredo que explica por que somos capazes de devorar um pacote de salgadinhos motivados por sua crocância.
Já reparou que, normalmente, esses alimentos que fazem “barulho” logo murcham ao entrar em contato com a saliva? Por isso, se você está desatento, no piloto automático, misturado aos seus barulhos internos, você pode não se dar conta do porquê está comendo, consumindo muitas gramas desse alimento.
6. Fome de estômago
Um ruído na barriga é uma das principais formas para reconhecermos a fome. No entanto, isto pode ainda não significar, necessariamente, que nosso corpo precisa de comida.
Isso porque podemos confundir essa sensação com outros sentimentos que afetam nosso estômago, tais como ansiedade ou nervosismo (o tal “frio na barriga”). Se não estamos atentos, podemos nos alimentar de forma ansiosa, buscando mais açúcar, sal e gordura e podendo desencadear uma espiral negativa de comer emocional.
Escute o seu estômago e comece a se familiarizar com os sinais que ele traz. Uma opção é utilizar a régua da fome (1: praticamente sem fome e 10, o máximo de fome possível), que sensações surgem quando você está sem comer por duas, três ou cinco horas? Isso pode permitir que você encontre qual o melhor momento para se alimentar e, sobretudo, admitir que, a partir do dia, das emoções, do que comeu na refeição anterior, o tempo que vai precisar para satisfazer sua fome pode variar.
7. Fome celular ou do corpo
Quando nossas células precisam de nutrientes, podemos ficar irritados, cansados ou apresentar alguns sintomas, como, por exemplo, dor de cabeça. A fome celular é uma das mais difíceis de serem percebidas. Precisamos estar mais conectados com o nosso corpo para obtermos essa percepção sutil.
Quando éramos crianças, essa sabedoria intuitiva, acerca do que necessitávamos (sabedoria interna), estava presente naturalmente. Porém, ao longo do tempo, fomos perdendo essa capacidade. À medida que crescemos, vamos nos desconectando de nós e buscando fora, nas regras, nas dietas impostas por outros, parâmetros para entender o que está dentro de nós; vamos silenciando nosso corpo, nos distanciando do sentir. Mas, a partir do mindfulness (ou seja, da prática da atenção plena), é possível nos tornarmos mais conscientes dos desejos do nosso corpo por nutrientes específicos.
8. Fome da mente
Em nosso mundo moderno, ansiogênico, nos tornamos facilmente comedores ansiosos. Estamos constantemente sendo bombardeados por diferentes alegações nutricionais; o alimento é bom ou é ruim, é certo ou errado comer determinado alimento, eu acho que… E ao priorizar o pensar sobre o alimento e o corpo, deixamos de sentir. Nossa mente “mente”. É muito difícil satisfazê-la; ela é inconstante e sempre encontrará algo novo para focar. Mindfulness pode ajudar a tranquilizar a mente e permitir uma maior consciência sobre como nosso corpo nos avisa sobre o que necessitamos.
9. Fome do coração
Não é possível falar de alimentação sem emoção. A vontade de comer certos alimentos e preparações pode estar relacionada à nossa infância, ou porque já acostumamos nossa mente a buscar determinados alimentos para nos sentir melhores (sistema de recompensa do nosso cérebro), a chamada comfort food (comida reconfortante). Comer de forma emocional pode traduzir, muitas vezes, o desejo de ser acolhido, de ser reconhecido, de receber um abraço.
À medida que vamos nos tornando mais conscientes, conectados com o nosso corpo (vivendo e comendo menos no piloto automático), podemos expandir essa consciência sobre a forma com a qual nos alimentamos, os porquês de nos alimentarmos assim, de que maneira comemos, o que estamos buscando (reconhecimento, prazer, preenchimento de vazio físico ou emocional etc).
O comer emocional
Dra. Paula acredita que o comer emocional aumentou na pandemia, no mundo todo. “Com certeza absoluta, aumentou no meu consultório”, frisa. As justificativas começam pelo fato de que as pessoas ficaram dentro de casa por todo o tempo ou por períodos muito mais longos do que estavam acostumadas. “Com o advento da pandemia, surgiu um novo jeito de se relacionar com a comida e com o nosso corpo a partir de:
*Maior exposição às mídias sociais;
*Mudanças das atividades diárias e da rotina como um todo;
*Necessidade do isolamento social;
*Alteração de sono por estresse e emoções negativas;
*Mudanças na prática das atividades físicas;
*Pouco suporte social e regulação das emoções.”
Esses fatorem podem, então, ter sido a fonte de mudanças na relação emocional com os alimentos de muitos dos pacientes que têm buscado ajuda médica para controlar a ingestão de alimentos. “Podemos comer motivados pela emoção quando nossas escolhas são influenciadas em como nos sentimos naquele momento. Sabe aquela canja de galinha que queremos comer quando estamos doentes? Ou a sopa ou o chá em um dia frio? É isso. E até aqui, está tudo bem”, explica Paula.
Outra estratégia mental ocorre quando se escolhe uma comida numa tentativa de mudar o seu emocional, ou seja, alterar como alguém se sente naquele dado momento. “Aqui é quando tudo se complica. Comer para ficar menos ansioso, menos frustrado, menos triste, com menos raiva. Esse padrão pode engordar e atrapalhar muito a saúde. E o tratamento não é simples. Não é apenas com uma ‘pílula mágica’. Não se faz em apenas uma consulta para emagrecer. Não se concretiza apenas dentro do consultório médico”, recorda.
Para o comer emocional, o tratamento indicado pela endocrinologista passa pelo entender e cuidar melhor das próprias emoções. “Isso porque uma emoção assumida, identificada e tratada, não vira comida”, garante a médica.
Paula Pires – CRM/SP 138.809
Especialista em Endocrinologia e Metabologia – RQE nº 47818
Especialista em Endocrinologia Pediátrica – RQE nº 47818-1
Especialista em Clínica Médica – RQE nº 47817
Como endocrinologista e clínica geral, presta atendimento a todas as faixas etárias, desde a infância até a terceira idade, seguindo o crescimento, a puberdade e o desenvolvimento até o envelhecimento e suas alterações hormonais características.
Especialista em Endocrinologia, Metabologia e Clínica Médica
Fonte: Michelly Souza – UPDATE COMUNICAÇÃO