Fogo no porto ou aurora no céu? A confusão épica do Imperador Romano Cláudio II
Desde tempos imemoriais, a humanidade tem sido envolvida por uma necessidade de compreender e explicar os fenômenos que observa ao seu redor. Esse impulso para desvendar os mistérios do universo deu origem a muitas lendas e mitos que buscam explicar os mais variados eventos.
A aurora boreal, com suas cortinas de luzes dançantes, tem fascinado e intrigado as culturas ao redor do mundo há séculos. Em suas tentativas de entender o fenômeno, muitas civilizações antigas criaram suas verdades para explicar a origem e o significado dessa luz mágica.
Marco Brotto, brasileiro caçador de auroras boreais que lidera expedições em grupo em busca do fenômeno, conta que no seu primeiro contato com as Luzes do Nortes as chamou de Monstro Verde. “Segundos depois, foi só contemplação e paixão”, relata.
Para ele, as narrativas lendárias não apenas refletem a busca humana pela compreensão do desconhecido, mas também revelam a profunda conexão entre as sociedades antigas e o mundo natural ao seu redor. “Através dessas lendas, as pessoas encontravam significado e conforto em face da vastidão e imprevisibilidade do cosmos”, explica.
A primeira lenda que Brotto compartilha envolve o imperador romano Cláudio II, também conhecido como Cláudio Gótico – 268 a 270 d.C – que ordenou uma tropa para se preparar para defender o porto da cidade de Ostia contra um ataque inimigo.
“Ele acreditava que o porto estava sendo atacado por fogo ou por uma frota inimiga”, diz. No entanto, após investigações mais detalhadas, foi descoberto que o que Cláudio e os soldados estavam vendo não era um incêndio nem uma frota inimiga, mas sim a aurora boreal. Essa confusão causada pela aurora boreal foi registrada pelo historiador romano Aurelius Victor em sua obra “De Caesaribus”.
Para os gregos, as luzes do norte eram a Deusa Eos, filha dos titãs Hipérion e Téa, irmã de Selene (Lua) e Hélios (Sol). “Acreditava-se que Eos personificava a aurora e o amanhecer, retratada como uma mulher com longos cabelos loiros e unhas tingidas de rosa, simbolizando o despontar das primeiras luzes do dia”, explica.
Ela conduzia uma carruagem puxada por cavalos alados, um espetáculo celestial que anunciava a chegada de um novo dia. Essa visão mitológica influenciou a compreensão do renascimento diário da natureza.
“Na Bíblia, há várias passagens que fazem menção ao céu pegando fogo. Essas referências geralmente são encontradas em contextos apocalípticos ou de julgamento divino”, relata.
Uma das passagens mais conhecidas é encontrada no Novo Testamento, no livro de Apocalipse, capítulo 20, versículo 9, que descreve o julgamento final: “Então, desceu o fogo do céu e devorou-os.”
Na China, onde as observações da aurora boreal são raras, lendas antigas as vinculavam a batalhas celestiais entre dragões do bem e do mal. “A crença popular sugeria que as luzes eram, na verdade, os dragões cuspidores de fogo, travando uma luta cósmica nos céus”, conta Brotto.
Recentemente um estudo publicado na revista Advances in Space Research, lançou luz sobre uma possível descoberta: o primeiro relato de uma aurora boreal em um texto chinês antigo.
“A pesquisa, que examinou os “Anais de Bambu”, um registro histórico chinês datado do século IV a.C., revela uma menção à observação de uma “luz de cinco cores” no céu, três séculos antes do que se acreditava ser o registro mais antigo”, explica o caçador de aurora boreal.
Brotto conta que algumas tribos americanas acreditavam que eram espíritos jogando bola com caveiras de morsa. “Cada comunidade encontrava uma narrativa única para explicar o espetáculo luminoso”, fala.
“As famosas serpentes emplumadas dos maias para mim também são as auroras boreais. Estive na Cidade do México no museu de antropologia, as descrições e desenhos da serpente são auroras boreais” afirma Marco.
Apesar dos avanços científicos modernos que permitem entender melhor fenômenos naturais como a aurora boreal, a vontade da humanidade em explicar as coisas persiste. “Essas lendas nos inspiraram a explorar e a compreender o universo em que vivemos, reafirmando a nossa curiosidade inata e o nosso eterno fascínio pelo desconhecido”, finaliza.
Fonte: Agência Souk