
Foto/Divulgação: Alex Ramos
Tramita na Casa projeto de lei para o enfrentamento do racismo e da intolerância religiosa nas unidades de ensino.
A Comissão do Cumpra-se, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), realizou, nesta segunda-feira (19/05), audiência pública para debater sugestões ao Projeto de Lei 1529/2023, que está em tramitação na Casa, e propõe a criação de protocolos para o enfrentamento ao racismo e à intolerância religiosa nas escolas públicas e privadas do estado. A proposta foi batizada como ‘Lei Guilherme Lima’, em homenagem ao adolescente de 14 anos que tirou a própria vida após ser vítima de bullying racista em uma escola estadual de Maricá.
O presidente da Comissão do Cumpra-se e autor do projeto, deputado Carlos Minc (PSB), destacou a importância da criação de um protocolo antirracista nas escolas como medida preventiva e educativa. Segundo ele, é fundamental que educadores estejam preparados para identificar sinais de discriminação e atuar antes que situações mais graves aconteçam. “Assim como aprovamos a Lei Maria da Penha nas Escolas, para que os estudantes aprendam a combater o machismo desde cedo, agora precisamos de um protocolo que ajude professores a reconhecerem e enfrentarem o racismo no ambiente escolar, evitando que tragédias como a do jovem Guilherme se repitam,” afirmou.
Mãe faz relato emocionado
Marinês Lima, mãe do adolescente Guilherme, fez um relato emocionante durante a audiência pública. Em sua fala, ela reforçou a urgência do engajamento coletivo na luta contra o preconceito racial nas instituições de ensino e destacou a dor irreparável que vive. “Sempre dizem que sou uma mulher forte porque, desde o primeiro momento, consegui falar em público e cobrar por justiça, mas é o amor que me move. Luto pelo Guilherme e por todas as outras crianças porque meu filho chegou ao limite e tirou a própria vida, mas desejo que nenhuma outra criança precise fazer o que o meu fez. Mas eu, sozinha, não sou ninguém, precisamos nos unir. Não posso deixar que o mesmo sistema que executou meu filho me cale, vamos ter que lutar. Já enterrei meu filho, mas não quero que nenhuma outra mãe passe por isso”, declarou.
Educação, justiça e assistência social
Durante a audiência, representantes do setor debateram caminhos para o enfrentamento ao racismo nas escolas, destacando a importância da atuação integrada entre educação, justiça e assistência social.
A deputada Zeidan (PT) falou sobre o impacto profundo que o preconceito racial causa nas famílias, especialmente nas crianças, e defendeu a necessidade de uma abordagem pedagógica integrada para combater o bullying e o racismo no ambiente escolar. Para ela, é fundamental que as escolas estejam preparadas para lidar com esses casos de forma educativa e não apenas punitiva. “Muitas vezes, quem pratica o bullying também é vítima de uma estrutura violenta. Por isso, não basta punir, é preciso também educar e transformar. A escola necessita passar por uma mudança pedagógica profunda, com apoio não só da Secretaria de Educação, mas também da assistência social, da rede de saúde mental e do sistema de justiça. Esse tipo de crime dói na carne de todos nós e precisa ser enfrentado com seriedade pelo poder público”, destacou.
Representando a Secretaria Estadual de Direitos Humanos, Monique Rodrigues, que atua na Superintendência de Promoção da Igualdade Racial (SUPIR), ressaltou a urgência de ações educativas voltadas ao letramento racial, especialmente no ambiente escolar. Ela comentou também que a secretaria tem trabalhado na produção de uma cartilha com orientações sobre o tema. “O racismo estrutural atravessa historicamente a nossa sociedade, e muitas vezes está mascarado em atitudes que sequer são reconhecidas como racistas. Nosso papel é esmiuçar essas práticas e promover a formação dos profissionais da educação para que reconheçam e enfrentem essas violências no cotidiano escolar. O debate sobre formação é sério e urgente e é uma responsabilidade de toda a sociedade”, pontuou.
Joana Raphael, representante da Secretaria Estadual de Educação, destacou a importância da formação de professores para o enfrentamento ao racismo nas escolas e a necessidade de reconhecer que casos de bullying muitas vezes encobrem práticas racistas. Ela enfatizou que o compromisso com a educação antirracista não pode se limitar à atuação da secretaria, mas deve ser coletivo. “Queremos que os professores participem das formações e levem esse conhecimento para a sala de aula. Mas ainda há muito caminho a percorrer. O que aconteceu com o Guilherme não foi um caso isolado. Há outros, e não podemos continuar tratando como se fosse apenas bullying. É racismo, e precisamos nomear. Essa responsabilidade é de todos nós”, afirmou.
Violência entre adolescentes
A juíza Cláudia Maria Motta, da Vara da Infância do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), informou que os atos infracionais cometidos por adolescentes têm mudado de perfil nos últimos anos. Segundo ela, crimes antes relacionados a furtos e tráfico de drogas deram lugar a práticas mais violentas e exibicionistas, muitas vezes impulsionadas pelas redes sociais. “As redes elevaram o bullying a outro patamar. Temos adolescentes queimando pessoas em situação de rua, filmando e postando em tempo real, além de alunos organizando ataques a colegas por meio de plataformas como o Discord. Tudo isso faz parte de um novo contexto que precisamos enfrentar e o racismo está no centro dessa discussão”, comentou.
Também estiveram presentes na audiência o deputado Fred Pacheco (PMN); a delegada Rita Salin, da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (DECRADI); Joana Oscar, da Gerência de Relações Étinico-Racial da Secretaria Municipal de Educação; Luiz Eduardo Negrogum, do Conselho Estadual de Direitos do Negro; entre outros representantes do setor.
Fonte: Alerj